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A voz da consciência

A primeira vez que conheci Bill Callahan foi através da coletânea New Harvest, que saiu na revista MOJO de agosto de 2009. A música era Eid Ma Clack Shaw, com uma letra estranha de um sonho com essa frase ininteligível. A canção era bacana, mas o nome esquisito e a “trama” da canção me chamou mais a atenção do que a voz que a cantava.

Lembro também que notei a voz de Bill Callahan: nas minhas garimpadas aleatórias, me deparei com sua participação no Tiny Desk Concert, da NPR. A primeira canção foi Jim Cain, uma música calma que se inicia apenas com uma guitarra limpa e descrescente. Depois de uma percussão sutil e cordas que mais criam ambiente do que harmonia, entra a voz de Bill Callahan.

Ao ouvir, a única coisa que eu precisava saber era o quê ele falava. Não era apenas uma voz com timbre grave e límpido: soava como uma voz da consciência, dizendo coisas que você sabia que precisava prestar a atenção. (Não estou dizendo que a voz era de sabedoria. Esse cargo já está nas mãos de Leonard Cohen – e Johnny Cash fica com o cargo de voz da verdade. Tom Waits ocupa a função de voz da dor).

Tanto Eid Ma Clack Shaw e Jim Cain são do segundo CD como Bill Callahan – antes ele se intitulava Smog -, chamado Sometimes I wish we were an eagle, de 2009. O álbum traz exatamente essa atmosfera, com canções tranquilas, soltas e estruturadas baseadas na voz de Bill.

As letras estão à altura da voz de Callahan, como bem descreveu Stephen Thompson, da NPR, ao menos uma frase de cada música apresentada no Tiny Desk Concert te prende a atenção:

Jim Cain: “I used to be darker / Then I got lighter / Then I got dark again.”
Rococo Zephyr: “I used to be sorta blind / But now I can sorta see.”
Too Many Birds: “If you could only stop your heartbeat for one heartbeat…”

Em 2010, ele lançou o disco ao vivo Rough travel for a rare thing. O registro resgata tanto o clima leve e “reflexivo” quanto canções que funcionam mais no palco. Vale a ouvida!

A última novidade de Callahan foi no começo do mês, com o lançamento do terceiro álbum de estúdio, Apocalypse. Ao ouvir, me veio à cabeça algumas músicas da fase solo – mas não esquizofrênica – de Lou Reed.

Em Apocalypse, as músicas instrospectivas dividem espaço com canções mais pontiagudas, mostrando uma relativa agressividade de Callahan. É o caso da primitiva Drover e da irônica America.

Este último disco é bom, mas não supera o Sometimes I wish we were an eagle. O New Album Releases disponibilizou os três álbuns citados para download.

Chora, guitarra!

Mesmo para quem não tem nenhuma habilidade com guitarra, é impossível deixar de notar o som tão exótico do pedal Wah-wah. Seu nome é uma onomatopéia do próprio efeito.

Contemporâneo ao nascimento do pedal, criado na segunda metade da década de 60, Jimi Hendrix ajudou a consolidá-lo. Sua contribuição mais famosa foi a música Voodoo Child:

Eric Clapton, no seu período com a banda Cream, também difundiu a novidade:

A grande inovação dessa ferramente foi dar a opção de alterar a equalização da guitarra na dinâmica que o instrumentista quiser. É possível fazer solos chorosos (Um dos fabricantes batizou o pedal de Cry Baby) ou mesmo sons frenéticos e percussivos.

Entre os guitarristas já brincaram com o pedal, estão Frank Zappa, Jeff Beck, Jimmy Page, Kirk Hammett, Slash, Eddie Van Halen e o brasileiro Lúcio Maia, da Nação Zumbi.

Abaixo, um ótimo documentário sobre o Wah-Wah, intitulado Cry Baby: The pedal that rocks the world:

Em busca da essência perdida

Recentemente tive contato com dois artistas que me fizeram refletir sobre a essência da música. Com a evolução tecnológica, principalmente aquelas ligadas à comunicação, houve um despejo maciço de novas informações. Diariamente somos poluídos com inúmeros CDs, clipes e tantos outros lançamentos.

Lembro (mais ou menos) de uma história que ouvi de um dono de um grande estúdio. Pelo que eu me recordo, era mais ou menos assim: no final dos anos 70 houve uma tendência a se evitar usar válvulas em mesas de gravação. O uso de válvulas era uma tecnologia antiga, e a válvula tem uma série de chatices – é delicada, tem que esperar esquentar para se ter um bom resultado, além da iminência de queimar e ter que colocar outra. Assim, os engenheiros passaram a utilizar transistores no lugar das válvulas, transformando a mesa de som em algo muito mais prático.

Porém, quando se ouviu o resultado das gravações, percebeu-se que faltava algo. E era justamente o som “quente e aveludado” que a gravação a válvula proporcionava. Ou seja, o som perdeu sua essência.

Há um resgate de uma essência sonora análoga nos últimos anos: de bandas como Hives e Strokes até as cantoras atuais Sharon Jones e Amy Winehouse (quando essa se concetra em fazer coisa boa).

Vejo também parte desta idéia em dois artistas distintos e menos conhecidos: JD McPherson e Meschiya Lake. Ambos remetem a um rótulo vintage, mas cada um, a sua maneira, redescobriu a essência através de uma olhar retrógrado – no melhor sentido da palavra.

Signos e significados

JD McPherson é um músico que recentemente lançou o álbum Sign & Signfiers. O disco é voltado para o rockabilly e o rock dos anos 50. Além das músicas muito boas e com a alma vintage, o que chama a atenção também é a textura da gravação.

O álbum foi lançado pela HiStyle Records. Além de ser o selo, a HiStyle também é um estúdio de gravação que tem como característica ser 100% analógico e utilizar equipamentos antigos. Para Jimmy Sutton, dono da gravadora/estúdio, HiStyle é como um estúdio de boutique, que não tenta competir com grandes estúdios, mas apenas proporcionar uma sonoridade amigável aos músicos.

Diabo sortudo

A música de Meschiya Lake remete a um tempo ainda mais antigo, o jazz tradicional dos anos 30. A cantora se destaca não apenas pelo estilo músical e pela bela voz, mas por ser purista até na forma de se apresentar.


Esse foi o primeiro vídeo que vi dela

Junto com seu grupo jazzístico, The Little Big Horns, ela se apresenta nas ruas e praças dos Estados Unidos. No YouTube, é possível encontrá-la cantando em New Orleans e na Washington Square Garden, praça nova-iorquina que nos anos 60 servia como ponto de encontro entre os músicos de folk para troca de canções.

O que mais me chamou a atenção quando eu a ouvi pela primeira vez foi o poder da sua voz. Cantando na rua, sem qualquer equipamento que amplificasse sua voz, ela consegue ter uma abrangência enorme, além de manter as dinâmicas das canções.

A cantora lançou um álbum recentemente, entitulado Lucky Devil. A música que dá título ao álbum já mostra como o grupo é de alta qualidade.

Os dois álbuns estão disponíveis para download no site New Album Releases:

Ouça – The Deep Dark Woods
Conheci a banda canadense através de uma interpretação da música Pretty Peggy-O. Ao pesquisar mais sobre o grupo, encontrei dois álbuns: Hang me oh hang me (2007) e Winter hours (2009). Cada um tem um estilo e atmosfera única, mas os dois são ótimos pelos arranjos instrumentais, principalmente nos diálogos entre guitarra e teclado, além do timbre grave e aveludado da voz de Ryan Boldt.

 

Leia – A Cauda Longa (Chris Anderson)
Um livro sobre a metamorfose do mercado a partir do nascimento da Internet e o papel relevante do consumidor como “influenciador”. Chris Anderson, editor da revista Wired, exemplica a mudança de foco do lucro, que antes era direcionado apenas em produtos de grande sucesso e agora torna também relevante os chamados “mercados de nicho”. Como objeto de estudo de sua análise, empresas online como a Amazon.

 

Veja – Só dez por cento é mentira (Pedro Cezar)
Considerado um longa-metragem documentário, talvez seria mais justo se Só dez por cento é mentira fosse rotulado como um “longa-ensaio-poético”. Dirigido por Pedro Cezar, o filme utiliza como pano de fundo a poesia e a vida do cuiabano Manoel de Barros. A partir de uma descrição lúdica, com influência da infância, Manoel conseguiu traduzir em palavras situações tão corriqueiras quanto mágicas. Entre suas frases: “imagens são palavras que nos faltaram” e “para encontrar azul eu uso pássaros”. E o belo filme não fica atrás. Assista o trailer.

Meu primeiro contato com Edward Sharpe and the Magnetic Zeros foi através de um vídeo que me deparei de pai e filha cantando Home, uma das canções do grupo americano.

Apesar de ter sido a pergunta “One day i’m gonna whistle?” (Um dia eu vou assoviar?) da pequena Alexa a coisa que mais me chamou atenção no vídeo, a canção é de um romantismo e alegria que me fez ficar curioso em conhecer a versão original.

Ao procurá-la, encontrei um vídeo de uma apresentação no programa Late Show, apresentado por David Letterman. Mais uma vez, a música (quase) ficou em segundo plano com o despretenciosismo na performance: o casal estava não apenas curtindo aquilo, mas aparentando explicitamente que eles estavam cantando para eles próprios, ao invés de montar uma apresentação voltada ao público. É como o refrão diz: Home is wherever I’m with you (Lar é qualquer lugar em que eu esteja com você).

O álbum de estréia, Up From Below – lançado em 2009 – varia em diversas vertentes. Ora hippie, ora folk, ora indie. O blog do Lenhador disponibilizou o CD para download.

Sugiro.

Bye bye 2010

Faltando dois dias para o fim do ano, trabalhando nessa reta final, me deparo com algo que me faz parar de me preocupar e simplesmente saber que as coisas estão caminhando para algo e que, como um bom relacionamento, 2011 não me promete nada, apenas me convida.

Melody Gardot – Bye Bye Blackbird (EP)


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Black Dub

Tenho que admitir que me interessei em ver o vídeo abaixo não só pelo carimbo de qualidade da NPR, que sempre compartilha e divulga coisas ótimas, mas pelo nome de Daniel Lenois. O canadense é produtor músical e no seu currículo estão dois álbuns de Bob Dylan: Oh Mercy (1989) e Time Out Of Mind (1997).

O projeto divulgado no Tiny Desk Concert, intitulado Black Dub, é uma parceria de Lanois com a cantora de 23 anos Trixie Whitley – além dos músicos Brian Blade e Daryl Johnson.

Ao ouvir o início da canção Surely, que abre o vídeo, gostei da voz meio rouca e grave de Trixie, o que me fez continuar ouvindo enquanto trabalhava. Porém, ao chegar no refrão, com uma voz que parece sair direto do coração, fiquei pasmo e precisei ouvir a música várias vezes seguidas.

Assim como dito por Stephen Thompson, a figura de Lanois parece servir como um suporte, quase paterno, da força de interpretação mesclada com uma timidez evidente de Trixie entre uma canção e outra. O produtor Lanois está apenas segurando o banco da bicicleta enquanto Trixie ainda aprende a se equilibrar. Porém, é possível ver Daniel soltando o selim e deixando que a cantora caminhe pelos seus próprios sentimentos e ande com as próprias pernas.

A qualidade como instrumentista de Lanois também deve ser lembrada. Como um bom produtor, sabe a hora de dar destaque e os momentos de se ausentar durante as canções.

O álbum de estréia de Black Dub foi gravado de uma maneira menos intimista do que a apresentação acima. Porém, ainda é possível ouvir as qualidades na interpretação de Trixie, além do equilíbrio de produção de Daniel Lanois.

Abaixo, a versão com a banda toda de I believe in you:

Este clipe, além de ser bacanudo pela briga de casal nada convencional (e politicamente incorreta), é um pretexto para eu falar do meu novo blog.

Muitas vezes eu me vi com vontade de escrever sobre temas minuciosos sobre Bob Dylan, desde comparações das várias versões que ele mesmo faz de suas músicas, até escrever sobre novidades e temas relevantes num contexto específico. Assim nasceu o:

Este clipe abaixo é do penúltimo CD de estúdio lançado pelo cantor, intitulado Together Through Life, de 2009.

Alguns anos após a morte de Mao Tse-tung – que com sua Revolução Cultural cortou relações da China com o restante do mundo, proibindo até o ensino de música erudita européia – o lendário violinista Isaac Stern é convidado a visitar o país. O objetivo era, além de estreitar as relações entre a China e o ociente, que o músico ucraniano compartilhasse suas técnicas e abordagens musicais.

Esta é a espinha dorsal do documentário “De Mao a Mozart”, dirigido por Murray Lerner, que no currículo tem vários outros registros na área da música, passando de Bob Dylan a The Who.

O documentário aborda basicamente três temas: A exótica cultura chinesa, os ensinamentos na interpretação de Isaac Stern e os tratos com os professores de música contrários à Revolução Cultural instituída no país.

As passagens em que Stern faz algo que se parece um workshop, dando dicas de interpretação e técnicas no violino a músicos chineses é tão brilhante quanto didática. É uma boa lição para entender o que faz um músico ser um bom intérprete. Como a técnica pode tanto aprimorar como limitar uma perfomance.

Em contraste com a beleza dos ensinamentos de Stern, o doumentário relata os tratos aos professores dos conservatórios que se arriscaram a ensinar músicas de compositores eruditos europeus nos conservatório de música. Um professor afirma que pior do que toda a tortura que sofreu, a humilhação de ser tratado como criminosos foi mais traumatizante ainda.

Abaixo, o documentário “De Mao a Mozart” (na íntegra):

Ouça – Ain’t got no troubles (Eden Brent)
A pianista e cantora Eden Brent pode ser colocada no mesmo patamar que Madeleine Peyroux, mas em estantes diferentes. Eden retoma o som do começo do século XX, mas sua maior influência (que funciona como espinha dorsal nas canções) são os boogie-woogies sob canções no estilo blues, jazz e referências ao gospel. Ain’t got no troubles (download) é o terceiro álbum da americana, lançado em 2010.

 

Leia – A Paixão Segundo G.H. (Clarice Lispector)
Um romance tão enigmático quanto o nome da protagonista. O livro, escrito com a técnica de fluxo de consciência, narra os devaneios de uma mulher da alta sociedade carioca no quarto da empregada. Ao se deparar com uma barata, G.H. passa a refletir sobre sua individualidade e a forma como vê o mundo (ou o quê usa para não vê-lo). Um livro difícil, mas essencial para propor uma ótima reflexão sobre o auto-conhecimento.

 

Veja – Note by note (documentário)
Um filme sobre a manufatura do piano D-274, da classuda Steinway & Sons. O documentário registra todos os processos de produção do lendário instrumento e intercala com entrevistas de pianistas diversos (Hélène Grimaud, Lang Lang e Harry Connick Jr. são apenas alguns) explicando os pré-requisitos e como nasce a relação entre o instrumentista e seu piano. O modelo D-274 foi o favorito de músicos como Glenn Gould e Vladimir Horowitz.