Não sabíamos se ia chover ou não. Um leve nublado ofuscava o crepúsculo, tornando o final da tarde uma noite repentina. O local, que fora uma tradicional estação de trem, agora foi tombado pela prefeitura e é concedido para exposições e eventos culturais. Para esta ocasião, diversas barracas, cada uma intitulada com um nome de bar, vendia apenas sua especialidade em tira-gosto. A cerveja se concentrava em outros balcões, devidamente decorados e de fácil acesso – apenas o preço da latinha (R$4) não era assim tão acessível.
O evento, Comida di Buteco, foi uma competição que durou a semana toda, divulgando os bares tradicionais de Campinas para, neste sábado, premiar o melhor tira-gosto e outras categorias. Como “saideira”, um show do sambista Paulinho da Viola.
A apresentação durou quase duas horas e me surpreendeu por aquilo que eu já sabia: a comprovação invejável da serenidade do compositor carioca. Com uma voz sutil, um sorriso permanente que se tornava onipresente entre todo o público, Paulinho da Viola apresentou desde canções mais famosas até sambas que, segundo o próprio cantor no prefácio dessas músicas, eram raros e desconhecidos.
Este foi um dos sambas citados por Paulinho. Segundo ele, foi uma letra que Arnaldo Antunes fez junto com Marisa Monte em cima de uma melodia que Paulinho achou guardada nem um cassete antigo.
Sinceramente? Não guardei os nomes de todas as canções e nem irei atrás do repertório deste show. Apenas a presença do Paulinho, com essa alegria contagiante, mas sem ser enérgica (e não há pejorativos nessa frase), já foi o suficiente.
Ao final do show, pensei em ir ao show-tributo para Howlin’ Wolf, mas após 8 horas de trabalho e mais umas 5 horas no evento “botequístico”, concluí que meu dia terminara.
No domingo, acordei com senões por conta do cansaço, mas logo me aprontei para me dirigir até o nostálgico CCC (Centro de Convivência de Campinas) e assistir a nova programação da OSMC (Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas).
A programação deste fim-de-semana abriu com uma fanfarra de Paul Dukas, que precede o início do balé “La Péri”. Após reger esta peça apenas com metais, o maestro Karl Martin, em companhia de toda a orquestra, apresentou a “Serenata para cordas Op. 48 em Dó”, de Tchaikovsky. A obra me pareceu muito bem executada, mas não me convenceu de sua abordagem passional. De qualquer forma, foi meu primeiro contato com ela e essa desconfiança talvez se explique pelo ineditismo.
Após o intervalo, “Quadros de uma Exposição”, do russo Modest Mussorgsky. Uma peça de 1874 com uma temática genial: idealizar, através dos sons, uma visita a uma exposição de pintura. Os quadros escolhidos por Mussorgsky para fazer a “trilha-sonora” são de autoria do pintor Viktor Hartman. A peça foi composta apenas para piano, mas sofreu várias transcrições para orquestra. A mais famosa foi de Maurice Ravel, em 1922.
Alguns quadros que basearam o itinerário do compositor
Apesar do intuito descritivo, Mussorgsky ousou ao incluir novas imagens nos quadros já existentes. É o caso do movimento “Tuileries (Disputa de crianças após um jogo)”, baseado num quadro de Hartman onde o jardim está vazio, sendo as crianças uma criação do compositor. A obra é relativamente esquisita, com algumas quebras estranhas e uma variação sobre um tema às vezes evocado (nos movimentos “Promenade” – “Passeio”).
Para finalizar este long post (se é que ainda tem gente lendo até aqui…), tenho duas indicações para fazer:
– Há um documentário sobre o Paulinho, “Meu Tempo é Hoje”, que traz justamente uma abordagem poética dessa serenidade do compositor e sua relação com o tempo, além de traçar seu caminho no samba através da velha-guarda da Portela.
– Sugiro a todos uma visita, mesmo que esporádica, aos concertos sinfônicos. Aqui em Campinas existe a OSMC, em São Paulo provavelmente além da OSESP existem várias outras opções. De qualquer forma, a sensação de ouvir uma orquestra ao vivo é realmente muito interessante, seja com o intuito que for. Às vezes fico vigiando aqueles que pouco aparecem (como é comum no caso dos percussionistas) ou os olhares rápidos dos músicos para o regente. O importante é a experiência de presenciar uma sinfônica.